Cantinho de Leitura – Núcleo do Porto
Rubrica mensal online
Cultivamos o gosto pela leitura e pela escrita.
“Todas as vidas são iguais e o mundo precisa de saber…”
Dr. Gustavo Carona
As 6 missões prévias de Gustavo Carona, levam-no a reflexões constantes sobre o que fazer para aproximar os mundos. Dedicado à Medicina Humanitária em alguns dos cenários mais complexos da actualidade, o aproximar da sua 7a missão pelos Médicos Sem Fronteiras, em Mosul-Iraque, levou-o a materializar a crença de que em cada missão leva consigo todos os que acreditam que vale a pena lutar por um mundo melhor. Apenas um mês antes de embarcar para mais um cenário de Guerra e catástrofe humanitária, interpelou, através das redes sociais, todos os que não ficaram indiferentes a enviar uma mensagem para o Norte do Iraque.
Com uma breve descrição do triste passado e presente deste povo, pediu a quem o lia: “Escrevam o que vos vai na alma!”, prometendo que entregaria estas cartas a quem está sôfrego de ânimo. E, assim, se compilou este livro, com cerca de 250 cartas que pretendem dar voz a quem quer dar esperança. São mensagens de uma grande profundidade emotiva que agitaram, provocaram e inquietaram quem as escreveu. Fala-se de sonhos, de perdão, de esperança de impotência, de gratidão, de distância e aproximação, e, acima de tudo, de humanidade e amor. Sem prometer, disse que nos traria respostas…
Eu achei que estava preparado, mas não estava. Nunca estive e espero nunca estar. Ninguém devia estar preparado para isto…
Espero que a história nunca se esqueça de contar em letras bem gordas, aquilo que os nossos irmãos do Iraque estão a passar. Para que não nos esqueçamos, para que aprendamos a lição, porque no fundo, no fundo é culpa de todos nós!
É um pedaço do mundo que se está a afundar, e se não o segurarmos com muita força vai nos arrastar a todos para o abismo.
As pessoas… sim, são pessoas, o que elas têm passado…. perderam-se membros, rebentaram-se vidas, destroçaram-se famílias, abandonaram-se crianças…. e testemunharam-se atrocidades que eu teimo em não conseguir compreender…
Ninguém sabe quantos fugiram, ninguém sabe quantos morreram, ninguém quantos vivem em condições desumanas, ninguém quantos ainda lá estão…. Mas sabemos que são nas escalas dos milhões e dos milhares…. e são pessoas, são seres humanos!!
Segurei as lágrimas, porque nos gritos e nos últimos suspiros de vida, vejo uma hipocrisia dum silencio e duma inacção que matam…. Tudo porque achamos que estas pessoas, não são pessoas…. mas eu vi e vos garanto, são pessoas! E alguns tenho a sorte de agora chamar de amigos…. e admirar a sua força, a sua alma, a sua resiliência, e sentir como transbordam a esperança e amor…
Deixei um pedaço de mim, mas trouxe uma vontade de gritar e de lutar ainda maior por tudo aquilo que tantos ao meu lado, teimam em me relembrar… Todas as vidas são iguais, e mundo precisa de saber….
Desejo de há muitos anos, conhecer o Iraque, conhecer esta gente, e reforçar a minha alegria de viver…. Porque só assim vejo um sentido de vida, e porque aqui encontro a mais bonita das medicinas….. assim como a melhor parte de mim…
Mosul sangra, como quase nunca se viu, mas a sua gente mostrou-me uma força que poucos têm… Tenho o coração lacerado, dorido, a derreter e cansado….. mas trago comigo uma dose forte de “Obrigado, fizeste um bom trabalho!”…. e só isso rebenta–me as veias de tanta força para continuar….
Talvez nunca possa, talvez nunca saiba, como contar tudo o que vivi….
Talvez a última, ou talvez a sétima de setenta, mas certo é: um orgulho gigante por trabalhar para os Médicos Sem Fronteiras e acima de tudo, tudo e todos que eles representam….
Saudades de ti….. Porto!
E vou dar tudo para que o Livro/Projecto “1001 Cartas para Mosul”, tenha a visibilidade que merece, por todos que o fizeram acontecer, e por todos aqueles que já o leram e os muitos mais que irão ler!