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O ELOGIO DA PEQUENA HISTÓRIA
“BASTA UM INSTANTE DE VIDA, um instante só, na sua avassaladora e desprotegida complexidade, para fazer tombar o nosso exército de noções e etiquetas, os nossos cerrados esquemas de análises, o estardalhaço explicativo que nos impomos. A vida é sempre mais, Sobra sempre vida à história que contámos dela.
Não posso concordar mais com o que diz José Mattoso acerca da “incomensurável relatividade” que a escrita da história precisa incorporar. E leio e releio a consequência que ele retira: “Não dar mais valor à queda de um império do que ao nascimento de uma criança, nem mais peso às ações de um rei do que a um suspiro de amor. “Talvez um dia mereçamos uma história ensinada assim. Talvez um dia nos preocupemos definitivamente mais com a pessoa do que com a estrutura, com a singularidade mais do que com a afiliação. Talvez um dia uma palavra, um rosto ou um destino quaisquer, eleitos assim ao acaso, sirvam para revelar tudo: para nomear o entusiasmo e a dor, o vislumbre e o combate, a razão e o enigma que existir significou e significa. Passam os anos e o que resta deles? Vivências. Sim. Restam as marcas de que estivemos aqui, de que habitamos estações diferentes com a mesma mansidão ou o mesmo furor, de que tentámos sobreviver ao amor, ao desamparo e à morte com tudo o que tinhamos à mão, de que partilhamos, de que cremos e negámos coisas diferentes e até a mesma coisa, de que coexistimos nos nossos encontros e na nossa irredutível solidão. Restam de nós vestígios, monumentos de vário tipo, pegadas. Resta o pó e o silêncio dos ossos. Mas não só; de forma que não sabemos, o escasso lume que fomos perdura e serve a outros para continuar…
Se calhar, cada um de nós mesmos, interrogado sobre a sua vida, refletiria um conjunto de datas ou de acontecimentos que dão a ver o extraordinário. Contudo, o que determina mais fortemente a existência estará porventura noutro lugar, numa qualquer dobra silenciosa e submersa… A tal mundo estamos presos pelo coração, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos, dos prazeres…”
José Tolentino de Mendonça
“BASTA UM INSTANTE DE VIDA, um instante só, na sua avassaladora e desprotegida complexidade, para fazer tombar o nosso exército de noções e etiquetas, os nossos cerrados esquemas de análises, o estardalhaço explicativo que nos impomos. A vida é sempre mais, Sobra sempre vida à história que contámos dela.
Não posso concordar mais com o que diz José Mattoso acerca da “incomensurável relatividade” que a escrita da história precisa incorporar. E leio e releio a consequência que ele retira: “Não dar mais valor à queda de um império do que ao nascimento de uma criança, nem mais peso às ações de um rei do que a um suspiro de amor. “Talvez um dia mereçamos uma história ensinada assim. Talvez um dia nos preocupemos definitivamente mais com a pessoa do que com a estrutura, com a singularidade mais do que com a afiliação. Talvez um dia uma palavra, um rosto ou um destino quaisquer, eleitos assim ao acaso, sirvam para revelar tudo: para nomear o entusiasmo e a dor, o vislumbre e o combate, a razão e o enigma que existir significou e significa. Passam os anos e o que resta deles? Vivências. Sim. Restam as marcas de que estivemos aqui, de que habitamos estações diferentes com a mesma mansidão ou o mesmo furor, de que tentámos sobreviver ao amor, ao desamparo e à morte com tudo o que tinhamos à mão, de que partilhamos, de que cremos e negámos coisas diferentes e até a mesma coisa, de que coexistimos nos nossos encontros e na nossa irredutível solidão. Restam de nós vestígios, monumentos de vário tipo, pegadas. Resta o pó e o silêncio dos ossos. Mas não só; de forma que não sabemos, o escasso lume que fomos perdura e serve a outros para continuar…
Se calhar, cada um de nós mesmos, interrogado sobre a sua vida, refletiria um conjunto de datas ou de acontecimentos que dão a ver o extraordinário. Contudo, o que determina mais fortemente a existência estará porventura noutro lugar, numa qualquer dobra silenciosa e submersa… A tal mundo estamos presos pelo coração, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos, dos prazeres…”
José Tolentino de Mendonça